Após vetos da prefeitura, Sofia Andrade diz que lei religiosa “perdeu mecanismos importantes”
Declaração foi dada em resposta à reportagem, que questionou os vetos aplicados pela prefeitura ao texto original do projeto.

Apesar de considerar preservada a essência da proposta, a vereadora Sofia Andrade (PL-RO) admite que os vetos retiraram os dispositivos que obrigavam escolas a comunicarem com antecedência eventos religiosos, ou de cunho religioso
De acordo com o texto do projeto de lei, no artigo 2º e incisos, as instituições deveriam comunicar por escrito, ou meio digital:
- a natureza religiosa da manifestação ou evento:
- justificativa pedagógica ou cultural da atividade, se houver;
- a exigência de autorização formal dos responsáveis;
- a previsão de participação dos alunos;
- a data, local e horário da atividade.
Após consulta com a Procuradoria Geral do Município, a prefeitura retirou este trecho, justamente o que continha o mecanismo que obrigava a escola a informar os pais sobre as atividades, sob a justificativa de inconstitucionalidade formal do projeto de lei.
Em resposta à reportagem, a vereadora sustentou que, apesar dos vetos terem atingido pontos importantes da proposta, seu objetivo foi mantido. De acordo com Sofia Andrade,
“Os vetos não esvaziaram a norma, mas tirou mecanismos importantes para a sua plena efetivação, principalmente tendo em vista que tais dispositivos foram sugeridos a partir de uma construção pautada no diálogo com diversos atores da sociedade”
Com a proposta de assegurar aos pais e responsáveis legais o direito de serem informados sobre atividades de cunho religioso nas escolas municipais, o projeto de lei 4752/2025 surgiu em meio a manifestações de intolerância religiosa contra Mãe de Santo Zeneida de Navê. Depois de lançar um livro infantil em uma escola municipal, Mãe Zeneida virou alvo de comentários preconceituosos e ameaça nas redes sociais (clique aqui para saber mais). O livro Meu Terreiro, Meu Axé foi escrito com o objetivo de desmistificar a religião que professa, o Tambor de Mina, com origem no Maranhão.
O evento foi registrado, postado nas redes, e o caso chegou na câmara. Sofia Andrade anunciou a proposta na câmara, como pode ser conferido em um vídeo controverso postado em seu perfil.
No vídeo, falas da vereadora como “Não podemos ser afrontados dentro do município de Porto Velho. Aqui fala a vereadora Sofia Andrade, cristã, e estarei aqui defendendo.”, ocorrem durante as imagens do lançamento da publicação de Mãe Zeneida.
Projeto de lei previa atores e ações em caso de descumprimento
Inicialmente atuando como representante de Mãe Zeneida de Navê, a Defensoria Pública de Rondônia analisou o projeto de Sofia Andrade. Por meio de um ofício elaborado pelo coordenador do Núcleo de Promoção da Igualdade Étnico-Racial (NUERC), Fábio Roberto de Oliveira Santos, foram apresentados os resultados da análise e sugestões de redação para a lei, como salientado pela vereadora.
“O artigo 5° caput, seus parágrafos e incisos foram vetados pelo Executivo. No entanto, cabe destacar que a criação desse protocolo foi uma sugestão técnica do Defensor Público, Dr. Fábio Roberto de Oliveira Santos […] que inclusive formalizou por meio de ofício a necessidade de aprovação unânime do Projeto.”
No ofício da Defensoria, foi reforçado que o ensino da cultura afro-brasileira e indígena, previsto em lei, não pode ser censurado sob pretexto de “neutralidade religiosa”.
Entre os pontos destacados, o defensor sugeriu a redação do artigo 5º, que estabelecia um protocolo para recebimento e encaminhamento de denúncias, definindo os atores e ações envolvidos em caso de descumprimento da lei. Com o veto, o projeto perdeu o mecanismo para operacionalizar essas denúncias e garantir resposta institucional a eventuais casos de intolerância religiosa, tal como o previsto.
A Procuradoria-Geral do Município (PGM), por sua vez, apontou que o Legislativo, ao definir ações a serem executadas por servidores da prefeitura e impor a criação de um protocolo formal, avançou sobre atribuições que são prerrogativas do Executivo. Segundo a PGM, cabe à prefeitura a definição dos mecanismos adequados para atingir os objetivos do projeto.
Diante a orientação da PGM, a Prefeitura vetou o artigo 5º.
De acordo com a vereadora Sofia Andrade, “A proposta não visava interferir na gestão administrativa, mas sim resguardar direitos fundamentais das famílias e da criança em um ambiente plural.”.
Projeto buscou preencher lacuna operacional, segundo vereadora
Mesmo com a LDB (Lei nº 9.394/96) prevendo o direito à participação da comunidade escolar e o dever de informação, para Sofia Andrade, a legislação atual não tem sido suficiente para garantir o direito à informação sobre práticas religiosas no ensino público.
“Na prática, essas garantias nem sempre se concretizam, sobretudo quando envolvem atividades religiosas no espaço público de ensino. […] Minha proposta surge justamente como resposta a uma lacuna operacional: garantir, de forma clara e regulamentada, que as famílias tenham ciência e voz sobre atividades religiosas nas escolas que seus filhos frequentam. Isso se faz ainda mais necessário em um contexto de pluralidade de crenças e visões de mundo.”
Questionada pela reportagem se teve conhecimento sobre alguma comunicação prévia a respeito do conteúdo das cantatas de Natal em 2023 e 2024 — aparentemente compostas por músicas de louvor cristão — na escola Joaquim Vicente Rondon, a vereadora afirmou desconhecer qualquer registro formal nesse sentido:
“Assumi o mandato em janeiro de 2025 e, portanto, não acompanhei diretamente os procedimentos adotados nos anos anteriores. Sendo sincera, desconheço, até o momento, registro formal que comprove a comunicação prévia aos pais sobre o conteúdo religioso das cantatas citadas.”
Também foi perguntado à vereadora por que esse tipo de manifestação religiosa não costuma gerar o mesmo tipo de comoção ou proposta legislativa. Ela respondeu:
“Segundo os últimos censos do IBGE, o Brasil é um país majoritariamente cristão, o que ajuda a compreender por que manifestações religiosas alinhadas a essa maioria, como músicas de louvor cristão, muitas vezes são bem recebidas ou mesmo naturalizadas no espaço público.”
E conclui:
“Ainda assim, é importante reconhecer que a predominância de certas expressões pode gerar incômodos ou exclusões silenciosas. Isso, por si só, reforça a necessidade de garantir tratamento isonômico a todas as crenças e a laicidade nas instituições públicas de ensino.”
Para a vereadora, o núcleo do projeto é garantir o direito à informação e à participação consciente na vida escolar — independentemente da fé ou ausência dela.